Liderança do Quilombo Fortaleza é ameaçada e sofre acidente em Bom Jesus da Lapa
- aatrba
- 9 de jul.
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Integrantes da comunidade quilombola foram intimidados, no último domingo (06), em meio aos festejos da 48ª Romaria da Terra e das Águas; oeste da Bahia vive momento de acirramento dos ataques a comunidades e povos tradicionais
O domingo (06) de tranquilidade e conexão com a terra e as águas da comunidade Quilombo Fortaleza, em Bom Jesus da Lapa (BA), foi interrompido por provocações, ameças e uma perseguição que culminou em um acidente de carro. “Mais do que um acidente, sinto que foi uma tentativa de assassinato”, disse a vítima J.S.E.*, ex-presidente da Associação Agropastoril Quilombola de Fortaleza, que procurou atendimento médico ao continuar com dores após o capotamento do seu veículo de trabalho.
Conforme relatado pelas vítimas, que registram Boletim de Ocorrência, o grupo estava em um estabelecimento comercial, quando foi abordado por um homem que se diz fazendeiro e proprietário das terras da comunidade. O homem ainda acusou os quilombolas de "ladrões" e disse estar decidido a tudo, “matar ou morrer”. Acuado pela ameaça, a vítima entrou em seu veículo e partiu em direção à estrada, sendo perseguido pelo fazendeiro e seus capangas (L, R e D.C.O.) até perder a direção e capotar. Mesmo após ao capotamento, o quilombola ainda foi alvo de ameaças e intimidações: “Aí otário, se arrob**, agora você ganhou por ter roubado terra dos outros”.
Essa não é a primeira vez que a comunidade do Quilombo Fortaleza, composta por cerca de 120 famílias, sofre retaliações por resistir e permanecer em seu território. As primeiras ameaças mais graves foram registradas a partir de 2017, quando foi iniciada a defesa da posse coletiva, o que gerou ações judiciais na Justiça Federal de Bom Jesus da Lapa. Em 11 de julho de 2019, a Justiça concedeu liminar de manutenção de posse contra um dos grileiros que tentam invadir o território tradicional habitado há gerações pelos quilombolas.
Romaria
No momento da ameaça, a cidade de Bom Jesus da Lapa era cenário da 48ª Romaria da Terra e das Águas, que aconteceu entre os dias 04 e 06 de julho de 2025 com o tema “Cultivar e Guardar a Criação construindo caminhos do Bem Viver”.
A romaria reuniu aproximadamente cinco mil romeiros/as de inúmeras comunidades eclesiais, organizações, sociais, pastorais e populares, que celebraram a vida e resistência dos povos e comunidades tradicionais, bem como, denunciaram o processo violento de destruição e exploração predatória sobre o meio ambiente e povos e comunidades tradicionais.
No ano em que a Igreja celebra o Jubileu da Esperança, os romeiros e romeiras seguem em peregrinação, denunciando os processos violentos de destruição ambiental e de expropriação de territórios, com a esperança de transformar a realidade perversa que assola os povos do campo, das águas e das florestas.

Oeste da Bahia sob ataques
Desde a década de 1970, o oeste da Bahia é palco de recorrentes conflitos agrários, que, ao longo dos anos, têm se intensificado. Em 2025, a escalada da violência atingiu níveis alarmantes. No dia 15 de maio, a Comunidade Tradicional de Fundo e Fecho de Pasto de Brejo Verde, no município de Correntina, foi surpreendida pela prisão política e arbitrária de Solange e Vanderlei, ocorrida no Rio de Janeiro, enquanto o casal realizava uma viagem de lazer planejada há mais de um ano.
Além da prisão de Solange e Vanderlei, outros cinco membros da comunidade também tiveram mandados de prisão expedidos. Todos permanecem privados de liberdade, aguardando decisão do Tribunal de Justiça da Bahia. Já se passaram quase 60 dias desde as prisões, sem que haja uma resolução, e os trabalhadores seguem detidos, mesmo sem qualquer comprovação de crime cometido. A comunidade também tem sido alvo de ações policiais que, após as prisões no Rio de Janeiro, adentram residências, revistaram pertences das famílias em abordagens que geraram temor e insegurança entre os moradores de Brejo Verde e região.
Ainda no município de Correntina, novos episódios de violência têm ocorrido nas comunidades tradicionais de Fecho de Pasto de Entre Morros, Morrinhos e Gado Bravo. Os fecheiros vêm sendo impedidos de acessar os fechos para retirar o gado, em razão da presença de equipes de segurança privada que fazem rondas armadas na região, promovendo intimidações, ameaças e o bloqueio das estradas de acesso.
No último final de semana de junho, cinco fecheiros tentaram buscar o gado que se encontrava solto nos fechos e foram detidos por seguranças armados. Eles só foram liberados à noite e precisaram caminhar pelo Cerrado até serem resgatados por um grupo de moradores da comunidade, que, ao tomarem conhecimento da situação, se mobilizaram em veículos e seguiram pelas estradas até encontrá-los.

O Fecho de Pasto Entre Morros é utilizado por aproximadamente 52 famílias que, há pelo menos dois séculos, fazem uso tradicional e coletivo do território para sua subsistência, com práticas de pastoreio comunitário, coleta de frutos nativos, ervas medicinais, preservação da vegetação do Cerrado e proteção das nascentes. Trata-se de uma forma ancestral de manejo sustentável do território, profundamente ligada à cultura e ao modo de vida dessas comunidades.
Nos últimos anos, no entanto, os Fecheiros têm sido alvo de conflitos com a empresa Guiraporanga Agropecuária LTDA, acusada de praticar grilagem sobre o território tradicional. A disputa fundiária resultou em ações judiciais que chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF), como a reclamação constitucional 66.779 Bahia. Atualmente a comunidade tem recurso pendente de julgamento no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, agravo de instrumento n.º 8024438-65.2025.8.05.0000.
Texto: AATR e CPT
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