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Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa: uma história de reparação pela liberdade de culto

Atualizado: 23 de jan. de 2023

O caso de Mãe Gilda foi o primeiro reconhecido como intolerância religiosa com direito a indenização por danos materiais e morais na esfera civil no país.


“O 21 de janeiro foi instituído por conta da morte de uma mulher negra que foi violentada, teve sua imagem maculada, e a reparação maior temos buscado todos os dias. Eu não espero só esse dia para falar do legado de Mãe Gilda” Esse é o relato da Yalorixá Jaciara Ribeiro, que ainda jovem perdeu a mãe para a intolerância religiosa há 23 anos, mas fez da sua busca por justiça um marco na luta coletiva em defesa das religiões de matriz africana no país. No final da década de 90, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) publicou uma matéria no Jornal Folha Universal na qual exibia toda a sua intolerância e desrespeito à liberdade de culto em um estado laico.



A Yalorixá Jaciara Ribeiro mantém o legado de Mãe Gilda vivo. Imagem: arquivo pessoal


Ilustrando uma matéria que criminalizava a atuação de líderes religiosos vinculados ao candomblé, a foto da Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda, foi utilizada sem a sua autorização, em um ataque frontal à sua atuação religiosa. A vinculação da imagem de Mãe Gilda em uma matéria ofensiva à prática do candomblé, somada ao ódio que a matéria incitou contra a Yalorixá e o seu terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, desencadearam complicações de saúde e uma depressão que a levaram à morte.


“As neopentecostais estabeleceram como lógica a guerra às religiões de matriz africana. Usando de todo o imaginário racista brasileiro para tentar destruir essas religiões. No caso Mãe Gilda, a filha dela, hoje Yalorixá Jaciara Ribeiro encaminhou o processo de luta por justiça junto ao poder judiciário, ainda bem jovem à época, ela foi a ponta de lança na ação e junto com o movimento construiu todos os caminhos para divulgar o caso”, comentou o advogado Maurício Araújo, associado a AATR, que atuou no caso Mãe Gilda.


A data instituída pela Lei n° 11.635/2007 veio com a eleição do atual presidente Lula nos anos 2000. No sentido de ampliar o movimento, houve uma marcha do povo de santo até Brasília para pedir por liberdade religiosa, tendo o caso de Mãe Gilda como referência. “A data para mim é importante, porque chama a atenção para um assunto muito grave que é o racismo e a intolerância religiosa, é um marco da luta”, comentou a Yalorixá Jaciara Ribeiro.


A yalorixá comentou o aumento de racismo religioso praticado contra religiões de matriz africana no Brasil. “Eu tenho acompanhado como tem crescido os ataques não só aos templos, aos terreiros de candomblé, mas contra as pessoas nas ruas, nas escolas, quando a gente procura um hospital. O que eu acho que desencadeou esse processo foi este desgoverno. Um presidente que incitou esse ódio religioso, que quis instituir uma única religião. A não democracia, o fascismo, a violência nas redes sociais fez crescer muito”


Recentemente o presidente Lula sancionou a lei que equipara o crime de injúria racial ao crime de racismo e tem impacto também na liberdade religiosa. A lei, a partir dessa modificação, prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.


Os 12 obás de Xangô e a luta por justiça


O crime cometido pela IURD deu início a uma batalha judicial que durou mais de uma década e marcou definitivamente a luta pelo direito cidadão, reconhecido constitucionalmente, de liberdade religiosa. O processo judicial, que foi iniciado e ficou parado por cerca de 7 anos, voltou a ser pautado a partir da luta coletiva com o envolvimento do povo de santo, o movimento contra a intolerância religiosa, pessoas do movimento negro, intelectuais e professores.


A essa altura a AATR, em parceria com a KOINONIA, que já atuavam assessorando terreiros de candomblé, assumiram o caso. As audiências do processo de Mãe Gilda contavam com a presença maciça desses movimentos, que mostravam a força e a importância das religiões de matriz africana. Maurício Araújo comentou um momento emblemático de uma das audiências:


“Articulando com a questão da cosmovisão africana, o movimento decidiu que quem ficaria de frente pros juízes seriam 12 Obás de Xangô, com cargos na religião, acima de 80 anos. 12 é o número de Xangô, o orixá da justiça. A audiência foi lotada e o juiz decidiu condenar a Universal numa das maiores condenações por dano material e moral, ressaltando o caráter da intolerância religiosa”


O processo foi para o Tribunal de Justiça da Bahia e em seguida para o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. No STJ, a indenização que estava na casa dos milhões de reais foi drasticamente reduzida, mas Jaciara Ribeiro destaca que o objetivo principal dessa luta era fazer justiça. “O legado de Mãe Gilda fala por si só, tem o seu busto no Abaeté, a história é reconhecida nacionalmente. O próprio terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum é esse espaço de acolhimento, temos muitos projetos que levam o seu nome. Quando pedimos reparação no caso de mãe Gilda, exigimos respeito a todas as religiões de matriz africana”.


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